15.8.11

ORIDES FONTELA SEGURANDO MINHA MÃO

Não que esperasse muito do filme, mas embora minha companhia houvesse desmarcado e estivesse demasiado em cima da hora para convidar outra pessoa para ir comigo, eu precisava ir ao cinema hoje. Aliás, digo que precisava ir ao cinema porque já era o planejado – em verdade, o que eu precisava mesmo era sair de casa, sair do que é possível, do que é meu e me cerca, porque hoje eu era um perigo para mim: memórias mentindo o passado, rastros de mim dando voltas, esquecimentos desacertados... Fui sozinho.

Não havia quase ninguém na sala – que vazia, penumbrática e impessoal como se encontrava era o que eu precisava. Mas era a primeira sessão e eu havia chegado cedo. Faltavam ainda vinte minutos para começar a projeção do filme e depois de alguns minutos comecei a me impacientar com a espera. Não havia fome, sede, vontade de ir ao banheiro, nada para se fazer. Por sorte eu havia deixado dentro da bolsa o livro da Orides Fontela e, como a luz ainda permitia, folheei algumas páginas relendo poemas favoritos e retomando, com gosto de novos, poemas já esquecidos, como este que me trouxe o choro que eu precisava para me consolar comigo:

SEMEIO SÓIS
e sons
na terra viva

afundo os
pés
no chão: semeio e
passo.

Não me importa a colheita.

Não se importar com a colheita. Contentar-se em semear. Clarice Lispector também escreveu algo parecido: “nem em tudo eu quero pegar. Às vezes quero apenas tocar. Depois o que toco às vezes floresce e os outros podem pegar com as duas mãos.” É difícil. É triste. Mas parece que para mim só isto. Olhar para trás e apenas ver os frutos. Ver os outros desfrutarem do que semeei em suas vidas. E digo isso sem arrogância, digo como diria Tistu, o menino do dedo verde, só que sem sua inocência e sem sua alegria.

Sorrisos, amizades, paixões, amores, projetos. Arregaçar mais as pernas das calças, pisar mais fundo – para semear e para passos cada vez mais largos. Não tocar nos frutos. Não amar os frutos. Não se importar com a colheita. Consolar-se ainda que pela resignação e não mais sofrer, pois a travessia, ao menos, é fecunda. E meu nome, provavelmente, aciona à muitas lembranças caminhos com sóis e sons.

O filme iria começar...

Há dias em que anos se passam.




3 comentários:

Gunar disse...

profundamente tecido em fios de barro.

amarelo disse...

muito dificil contentar-se em semear, nao se importar com a colheita. mas vivendo aqui, longe... cada dia que passa, sinto essa necessidade! como sempre, ler tuas linhas e compartilhar contigo cada palavra. me faz sentir bem.

filipe disse...

Não é um contentar-se com apenas isto, mas, se for apenas isso que ficar, contentar-se em ver que o seu toque é fecundo.