12.6.11

SOZINHO NO DIA DOS NAMORADOS

Enquanto não superarmos
a ânsia do amor sem limites,
não podemos crescer
emocionalmente.

Enquanto não atravessarmos
a dor de nossa própria solidão,
continuaremos
a nos buscar em outras metades.
Para viver a dois, antes, é
necessário ser um.
(não se sabe quem é o autor)


Hoje, no Brasil, convencionalmente, é dia dos namorados. Nos últimos dias antecedentes, ouvi um sem número de vezes, de várias pessoas, queixas, sérias ou em chiste, de sua condição de solteira. E até o fim do dia, sobretudo nas redes sociais, se acumularão postagens com lamentações.

Todos parecem concordar: por numerosos que sejam seus amigos, por melhor que seja sua relação com familiares, ter alguém para dar e dele receber o que entendemos por amor, é significativamente diferente. 

No entanto, a busca por alguém para dividir a vida, quando agravada com a ansiedade de quem enxerga nisso condição para felicidade e somada ao inevitável desastre de conciliá-la com o egocentrismo orgulhoso que assistimos em nossos tempos, se configura em resultados mais e mais frustrantes. 

Não é bom estar só. Eu, só que estou – encarando a solteirice de outra forma após uma única, mas duradoura experiência de um relacionamento – sei. Pequenas coisas que me eram alheias passaram a ter um outro significado e, não raro, me pego sentindo falta delas: me permitir perder cenas importantes de um filme no cinema para trocar um beijo, banhos quentes na madrugada depois do sexo, o sexo sem cobranças de corpo e performance, a vontade de dar presentes advinda da mais gratuita vontade de ver estampada na cara do outro aqueles minutos de alegria ao desembrulhar o pacote, me sentir reivindicado, dizer “eu te amo” sentindo a vibração de cada letra, entre tantas outras.

Dizem que é mais fácil para quem toma a iniciativa de terminar a relação se adaptar ao seu fim. Comigo não foi. Tudo se deu por tantas nuances não percebidas, sucessões de mal-entendidos, palavras importantíssimas que jamais puderam ser ditas e tanto tempo já passado, que não vem ao caso, agora, comentar.  O fato é que, chegada a hora em que percebi que extrapolei os limites da humildade e me encaminhava para humilhação na tentativa reverter o quadro (Nunca foste tão verdadeira / como nestes últimos dias de corajosa submissão. – mas esses dois versos da Hilda Hilst sempre me ajudaram a jamais me arrepender do que fiz), fiz o que há muito, mesmo antes do relacionamento, eu precisava fazer: escolher a mim. 

Foi definitivamente a experiência mais dolorida por que passei na vida até agora, pois, se essa não era a primeira vez que eu sofria por amor, foi a vez de unir o sofrimento emocional ao físico, somatizando reações e sintomas que agrediam meu corpo. Mas como quem precisa construir um edifício onde há uma velha e abandonada casa, não podendo assim simplesmente erigi-lo por cima, adentrei ao interior da casa, fucei seus avessos, cavei e quebrei os alicerces para novamente me reconstruir – sendo ainda cedo para dizer em definitivo, decerto pelo menos mais forte; ressignificando a mim mesmo e a minha solidão.

Durante o processo apareceram algumas pessoas que, a despeito de uma certa postura arredia em que me encontrava, me deram o carinho que eu precisava e outras que me prometeram amor, argumentando, por saberem de minha fragilidade no momento, que um amor se cura com outro. Propostas estas que tive que recusar, em respeito ao sentimento de tais pessoas (uma vez que eu não poderia lhes retribuir naquele momento) e, acima de tudo, a mim mesmo. – Tal antigos guerreiros trabalhavam a resistência de seu corpo a venenos ingerindo gradativas doses do mesmo veneno, eu decidi que precisava me curar do mal estar causado pela solidão não cedendo ao que parecia ser mais fácil, me mantendo só. 

Há sempre um tanto de desespero e fraqueza nas pessoas que engatam um relacionamento no outro. Elas se iludem com o suprimento de afeto oferecido pelo novo que vai amontoando em cima das ruinas do anterior, gerando uma espécie de vício que a arrasta para um buraco negro quando ela se vê sozinha. 

Sejamos religiosos ou não – mas educados num país de cultura fundamentada no cristianismo –, acredito que o velho mito de Adão e Eva embasa nossa ansiedade na busca de reunir o par de costelas que foi separado. Ludibriadas por discursos carregados de expressões como “metades da laranja”, “tampa da panela” e “almas gêmeas”, as pessoas não toleram mais qualquer ruído ou a mais leve assimetria no outro. O mundo de cada pessoa rivaliza em tamanho com o sol no qual ele orbita. Pois elas se sentem carentes, mas estão repletas de si, de ego e orgulho inflados, postulando suas regras baseadas em sua visão e experiências particulares – se você não as ama do jeito que elas esperam, então você não as ama. Não há perdão: o próximo!

Ano passado assisti a famosa encenação do Banquete, do Teatro Oficina do Zé Celso. Uma das cenas que mais me marcou foi a que mostrava os seres humanos, outrora reunidos, macho e fêmea num corpo só, mas agora separados e distintos os sexos, reivindicando aos deuses o retorno ao estado inicial, então Eros lhes esclarece que, voltando à condição anterior, beijos, abraços, carícias, sexo e tudo o que vem junto do amor não mais existiria. 

É simples: para formar um casal é preciso duas pessoas. E duas-pessoas é a união de uma pessoa e outra pessoa, cada uma com suas diferenças, visão de mundo, personalidade, preferências, maneira de sentir, defeitos (e aqui lembro da Clarice Lispector: “Até cortar os defeitos pode ser perigoso - nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro...”), etc. Como certeiramente disse Fernando Pessoa: “Se te é impossível viver só, nasceste escravo.” Não estaremos preparados para uma vida a dois se antes não aprendermos a ser sós. Lembrando novamente Clarice: “Amor é dar de presente ao outro a própria solidão. Pois é a última coisa que se pode dar de si.”

É simples, mas nem tudo o que é simples é fácil. Eu bem o sei. Mas aprendi. Aprendi sobretudo a aprender com isso. E hoje, mesmo só, sem companhia para cinema em tardes de domingo, sem transar sempre que quero, sem banhos quentes acompanhado, sem presentes ou sem presentear em datas como a de hoje, definitivamente, não me sinto carente. Ao contrário, sinto-me completo no que sou e totalmente desejoso em me melhorar mais como pessoa. Ainda que sofra costumeiramente com oscilações de auto estima, há em mim, ao lado da severidade com que me julgo e da dificuldade de me perdoar de minhas limitações e até mesmo do que simplesmente jamais serei, a certeza do que tenho em mim de bom. Sei de minhas qualidades, de minhas capacidades, da bondade que há nos meus atos e, acima de tudo, sei que nasci para o amor, que é dele que sou feito e por ele pacientemente espero, pois estou pronto como nunca estive.

23 comentários:

Anônimo disse...

Aqueles idiotas que, após ler o - bom - texto, demonstra que não entendeu nada:

Como faz para conseguir seu telefone?

=)

Texto lindo, zusé.

filipe disse...

Se você me conhece por zusé deve saber meu telefone, não?

Unknown disse...

ler esse texto foi como um suspiro - um alivio.
foi como ganhar um cumplice, zusé!

grata!

L.G disse...

Obrigada!.. Faço de minhas palavras as de Mariana!..
Foi um alívio! :)

L.G disse...

Ah!Parabéns!

milena disse...

obrigada por dizer tudo aquilo que eu sinto.

Beca Guedes disse...

Te amo! Lindo texto!

LittleBlueBoy disse...

Como faz pra conseguir seu telefone?

filipe disse...

pega o e-mail, gente: filipe.bgp@gmail.com =) Depois a gente passa pro telefone.

Beijo.

verí disse...

ai, meu deus!!!! um matador que tem coraçãooooo!!!! que lindooooo!!!! gostei mto da sua escrita pouco peigas sobre amor... mas eu prefiro ser sempre a casinha, não quero construir um edificio! :)
o problema é que, pra isso, HAJA REFORMA!!!!! kkkkk... um bjão!

filipe disse...

O problema, Veri, é quando a casinha já não é mais habitável, daí, ainda que se vá construir outra em seu lugar é preciso destruí-la para reconstruir.

E eu bem sei o quanto de reforma você tem entendido.

Korovha disse...

O ser humano não consegue viver sozinho, mas isso é questão de adaptação

Anônimo disse...

senti-me Leminskiado com seu texto! =)

Giballin disse...

O ser humano não consegue viver sozinho, e muito menos preenchendo seu vazio com outro ser humano, muitas vezes, tão vazio quanto este, mas pode matar outro ser humano vivendo sozinho com ele, vivendo desconhecido de quem é com outro que quer buscar a si neste outro não-sei-quem. Mas nada como o desejo para sustentar uma escuridão fundamental tão grande, muitas vezes chamada de relacionamento/namoro/casamento, para proteger-se do medo da paradoxal condição oscilante entre o promíscuo e o solitário, condenaçoes sociais fatais. Na dúvida, "já pego logo alguém ou juro que sou 'sério' e que também 'quero alguém', afinal não sou nenhum desses dois caso aí, eu heim." Que esse ser só não conte isso pro Consciente dele, e não é? Beijos, Giballin.

Gunar disse...

Eu gosto muito de ler seu blog, seu twitter. Gostaria muito de ter uma opinião sua em relaçoa ao meu: http://euparonosparimos.blogspot.com/

Luana Vignon disse...

muita gente só sabe amar através de de simbiose. para mim, o indivíduo se basta, estar junto por vontade, pura e simples, é o melhor amor que há. belo texto.

Fernando Vasconcelos disse...

Sou casado e amo minha alma gêmea, mas entendo perfeitamente o teu texto. Emocionado :)

Iris Helena disse...

Felipe, seu texto é lindo. Um tapa suave na face de quem sentiu tudo isso que você escreveu. Estou namorando, mas tive que aprender a "ser só" e a "só ser" para seguir a diante sem colocar minhas projeções em ninguém, sem exaltar o melhor, nem mascarar o pior. Esse texto devia virar cartilha, viu?Ia ajudar muita gente.rs Parabéns!

Leandro disse...

lindo, lindo.

thulio disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Claugeane Costa disse...

Lê-lo me reafirma o quanto de potências podem existir no ato de experimentar a solidão, ato esse mais que genreso em nós mesmos. Às vezes tardio, às vezes breve, às vezes ou quase que diariamente permanênte. O seu texto é lindo como a sua posição em relação ao amor. Obrigada.

Marcelo R. Rezende disse...

Um tanto lindo, outro tanto sexo, mas necessário. Um texto necessário para quem ainda sofre e tem suas limitações.

Dudu Zen disse...

Lindo texto, Filipe! Parabéns!
Que bom que compartilhou com todos essa bela reflexão. =)
Muito bom, mesmo! ^^