16.3.10

PRESENTES QUE SALVAM

Ah, por que este mundo é tão grande e Paris fica tão longe? Por que o serviço dos correios neste país é tão ruim? Para que um carnaval no meio disso tudo só para atrapalhar ainda mais?

Hoje, somente hoje, chegou aqui em casa um presente de aniversário que um amigo muitíssimo querido me enviou – como atesta a data de carimbo de postagem – desde o dia oito de fevereiro lá de Paris, onde ele tem vivido há algum tempo. Quatro dias eram o bastante para um avião, um carro e um carteiro, todos correndo, me trazerem o pacote que, se houvesse chegado naquele dia doze, teria me salvado desse que foi o aniversário mais infeliz que já tive na vida. Quatro dias bastavam! Mas só hoje chegou...

Nada materialmente caro ou raro continha o embrulho: uma carta, três cartões postais, um marcador de livro, um chaveiro com formato da França, uma bandeirinha francesa, três latinhas de balas e um pequeno realejo.

Pois foi esse realejo, uma caixinha cilíndrica com um delicado mecanismo à corda, o que primeiro me saltou aos olhos em meio àqueles despretensiosos tesouros. Girei a manivelinha sem saber que música tocaria e, para minha surpresa, com a doçura que somente um realejo pode imprimir a uma música já tão doce, escuto La Valse D’amellie. Naquele exato momento eu me transformei no próprio Dominique Bredoteau abrindo sua caixinha. Para onde fui transportado? Não sei dizer. Não foram momentos bem específicos. Era somente sentimento. Emoções dessas que não se acabam; que estão sempre a repercutir basta que qualquer centelha de passado as evoquem. O que é suficiente, pois quero que permaneça em mim essa capacidade de sentir e me emocionar independente de épocas e pessoas – toda essa intransitividade. Chorei de pura beleza, e, cada vez que giro a pequena manivela, volto a chorar. É doce e melancólica a música, sobretudo assim em realejo.

Duas das latinhas de balas são sabor rosa a outra é de menta. Abri uma das de rosa e provei: é como se cheirássemos exageradamente as pétalas da flor e o cheiro errasse o caminho dos pulmões e fosse para o estômago. Então você floresce por dentro por alguns instantes. E enquanto duram tais instantes me sinto consolado pela antiga e inconsolável frustração de um dia terem me impedido de colher uma rosa que nasceu de mim.

A carta que ele escreveu diz assim: “Meu Ruivo Lindo, Pensei em te mandar um pouco do mundo, para ver se te encorajo a me visitar. Sim, um presente com segundas intenções! Um pouco de Paris, de Bruxelas e Amsterdam, três lugares que com certeza você iria gostar muito de visitar. Mas pros teus 28 anos não te desejo somente um pouco do mundo, desejo ele inteirinho para você. E que ele venha cheio de poesia! Te amo. Manoel Júnior”. Dois postais são de Amsterdam e o outro de Bruxelas. Num dos de Amsterdam, com a imagem de uma tela de Van Gogh, ele disse assim: “Lembrar de você em Amsterdam é algo inevitável. A palavra ‘liberdade’ ganha um novo conceito nessa cidade e os museus têm algo de mágico, inexplicável. Liberdade + Magia = Filipe Bezerra.”

Júnior, meu amarelo, você que é tão valioso quando essa cor, nem a melancolia que a vida, ingrata que é, lhe deu consegue encobrir o quanto você resplandece nesse tom. Seu presente, embora tenha chegado tarde demais para me salvar do dia que o motivou, me trouxe, assim como a caixinha do Dominique Bredoteau trouxe para ele, a vontade de ser melhor para mim mesmo. Vontade de retomar coisas que eu havia deixado de lado para tentar viver uma outra vida que tenho entendido cada vez mais não ser para mim. Temos aprendido tanto, não é mesmo, meu amigo? E é lamentável que o conhecimento não traga felicidade. Mas estamos cada vez mais preparados. Seu presente não foi o único que me chegou atrasado. Afonso também só recentemente me deu um livro de poemas da Hilda Hilst. Na dedicatória assim ele escreveu: “Deus existe... na poesia”. Sim, Afonso que sempre tem razão está novamente certo. É na poesia que Deus pode existir na forma como eu fui feito para crer nele. Que o mundo venha até nós repleto de poesia. Que o Deus que nela habita nos abençoe e nos guie. Estamos cada vez mais preparados.

15 comentários:

Mazes disse...

Que lindo! Que doce!

Que coisa gostosa ler esse texto.

Deu até vontade de cuidar mais de mim também.

És um querido, zuzé, por ter esse dom de saber saborear as coisas simples da vida.

Gabriela. disse...

"Então você floresce por dentro por alguns instantes."

Me prendi nisso. Lindo.

Como é bom ter quem nos ama. Senti essa mesma caixa chegando pra mim. Amelie Poulain é tão a minha cara. Amo essas pessoas presente. Não tenho mais tanto convívio com vocês, mas sabe, já me faz um bem maior saber que pessoas como você e H. existem.

Gabriela. disse...

Ah, Júnior amarelo, obrigada também pelo presente.

São pessoas como você que dá vontade da gente encontrar e ter pela vida.

Pedro disse...

Contraditoriamente, acho que o atraso na entrega do presente foi uma das melhores coisas que poderiam ter acontecido. Caso contrário, a surpresa e o carinho com que ela foi recebia não teria sido tão imbuída de emoção.
Se o presente tivesse chegado no dia certo, seu valor talvez tivesse sido ofuscado pelas mazelas que te incomodavam. Talvez, o tamanho desta emoção de agora seja suficiente pra apagar, ou amenizar, qualquer dor que possa ter existido na data que o presente deveria ter chegado.
Seja como for, acho que o presente veio na hora que tinha que vir. Até porque, pra mim, os melhores presentes são os que chegam inesperadamente.
Desejo tudo que você sabe que desejo. hehehe :)

Unknown disse...

é nesse lugar onde acredito que deus nos possibilite acreditar na sua existência.

um amor simples.

ser simples sem ser simplório.

amarelo disse...

bom ter conseguido te fazer sentir isso tudo com meu presente, que na verdade nem presente é, é sentimento.

e a vontade de te abraçar aumetou em infinitas vezes.

mon zusé d'amour. ^^

2mais2são5 disse...

Cada vez mais, a Teoria da Fênix se comprova aos meus olhos... E cada vez mais, para aplacar o desespero de meu coração aflito com as peripécias da vida, fico imensamente feliz em ver encontros, reencontros e caminhadas onde somos iluminados pela simples - porém magnífica - existência do outro.

Isso aí, Ruyvo, estamos juntos, aprendendo!

Bjos!

fern.Saol disse...

Me lembra uma história minha. Quando eu era pequeno e meu avô ainda vivo, ele todos os dias me desejava feliz aniversário. Pra mim e pros meus irmãos. Fazia isso para nos lembrar que cada dia era um festejo e que nos ter por perto era sempre um presente.

Não é que sinto falta dessas saudações matinais? São coisas simples, mas nessa pequena frase que agente reparava o tamanho do amor e carinho que uma outra pessoa pode sentir por nós. E ficou marcado. Hoje, só recebo feliz aniversário uma vez por ano, mas cada um que me felicita, me faz lembrar meu avô, Dodô.

E o amor não tem fim.

Diego Drush disse...

Esses remédios vieram no momento certo(ou quase)e, graças ao Deus da poesia, trouxeram junto um pouco de alegria para colar em teu peito.

Obrigado, Afonso, por deixar nosso querido Filipe melhor.

Anônimo disse...

meu bem é ter tua pessoa por perto... (no mesmo meridiano?)

Anônimo disse...

meu bem é ter tua pessoa por perto... (no mesmo meridiano?)

danilo kato disse...

pelo jeito, realmente um pedaço da grandeza dessa velha terra chamada Europa conseguiu embarcar junto com os presentes. é tudo mágico na Europa, não é? e ainda mais se for de uma pessoas queridas. pessoas queridas de longe. eu sinto falta delas. eu já dei presentes pra pessoas de longe. já fui até muito longe pra dar presentes também. todas porque eu queria que a pessoa pelo menos soubesse que eu realmente gostava dela, mesmo de longe. eu era jovem... esse presente do seu amigo me lembrou dessa época.

agora, o que será que me fez viajar menos né? na verdade sei quando foi o marco zero dessa mudança. não foi um acontecimento legal, mas foi um aprendizado. comecei a me importar menos com as pessoas quanto antes, mas acho que fiquei melhor como pessoa, mesmo. o que tá valendo. se você não é uma boa pessoa, pouco adianta se você mora perto, longe... não vai conseguir ser querida. foi assim que me senti ultimamente. mas depois, com o tempo, eu devo voltar a viajar mais. voltar a dar mais presentes. e assim a vida vai percorrendo suas fases.

Valleti disse...

Agora que tô de blogspot dá pra dar um closesinho por aqui tb..
ALOCAAAAAA.
uahauahuaha

Obrigado por ter feito aquilo tudo pra mim, queridão!!! Vlw mesmo..
=)

Quanto ao post, nem confiança pra inveja que senti..

Beijos!

Livia disse...

lindo e tocante
coloquei a musica- q nao conhecia - para ouvir de fundo e entendi um tiquinho suas emoções.

muito legal seu blog.

Willian Suzaki disse...

Faz tempo que não vejo seus posts.... Vi que seu blog mudou muito. Acho que esse tempo ausente me fez pensar e ver que ainda é possível existir coisas muito boas nessa nossa world wide web!
;)