Há um
cachorro aqui em casa. Não é meu. Pertence à minha amiga que mora comigo. Mas
não mora aqui nem morará. Está apenas por uma temporada, enquanto a mãe e o
irmão dela – que cuidam dele por morarem numa casa espaçosa –, estão viajando.
Se chama
Peruco. Sua dona está toda feliz, já comprou um monte de comida para ele e,
mesmo trabalhando até madrugada (numa companhia aérea) – o que lhe dá o direito
de dormir durante o turno da manhã –, acorda cedinho e de muito bom grado para
levá-lo para passear e para que ele possa fazer cocô e xixi, pois Peruco, de
fato, é bastante educado e jamais faz suas necessidades dentro de casa, nem
qualquer outro tipo de sujeira e nem barulho.
Quando
minha amiga está em casa, Peruco está sempre atrás dela e, mesmo ela, com um
cuidado de mãe, está sempre preocupada com ele. Mas aí chega a hora dela ir
trabalhar (em geral, à noite e, em alguns dias, à tarde) e Peruco fica aqui
comigo. É claro que de forma bem diferente de quando está com ela. Ele parece
gostar dos carinhos que lhe faço vez ou outra, mas também não pede por eles,
nem parece se empolgar. Não atende quando lhe chamo. Não abana o rabo quando
sou eu quem volta para casa depois de também ter saído deixando-o totalmente
sozinho. Entretanto, mesmo mantendo uma certa distância, Peruco fica sempre
onde estou. Se estou no quarto usando o computador ou lendo na mesa, ele fica
ali, ao lado do ventilador; se vou ler deitado na cama, ele vai para o lado da
cama; quando levo os livros pro sofá da sala e fico lá lendo, ele também vai e
fica perto de meus pés; nos momentos em que estou na cozinha preparando algo ou
lavando louça, ele também vai e fica na entrada ou logo atrás de mim. – Sempre
deitado, caladinho, mas sempre comigo.
É evidente
que Peruco não gosta de mim como gosta de sua dona e eu mesmo não gosto dele
como ela gosta. Ainda não tivemos tempo, nem eu nem ele, para isso. Contudo, é
inquestionável que diminuímos nestes momentos a solidão um do outro. E, por
isso mesmo, há uma secreta cumplicidade entre nós.
Humanos ou
animais, arredia que seja cada personalidade, estamos sempre de alguma maneira
dependendo de uma outra vida para acalentar a nossa. Estamos sempre confirmando
a nossa própria vida com a vida do outro. Pois, por mais que nos queixemos de
solidão na multidão (e isso de fato é uma triste realidade para muitos), a
multidão ao menos nos faz manter o equilíbrio, afugentando o desespero que
seria nos encontrarmos sozinhos em meio a um deserto, ou a clausura perpétua na
solitária de um presídio, ou como únicos sobreviventes de uma tragédia mundial,
ou qualquer outro assustador exemplo similar. Solitária que seja quem não tem
amigos, namorado(a)/esposa(o) ou família, ainda tem na mudez e indiferença das
pessoas que vê nas ruas, no trabalho, faculdade, ou seja onde for, rostos
vivos, de gente, de bichos, que lhes confere a paz interior da certeza de que a
grande e total solidão ainda não chegou.
Tenho amigos
e familiares, não me sinto solitário mesmo quando estou sozinho. Mas, ainda
assim, é bem mais leve estar sozinho com uma companhia como a de Peruco.
(escrito em novembro de 2012)
Um comentário:
me disseram que novembro era o mês da sorte, enfim. rs
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